martes, 12 de enero de 2010

O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis 1763 – 1808

Obra escrita por um dos melhores historiadores e memorialistas do Rio de Janeiro. Autor igualmente de O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis e A Corte de D. João no Rio de Janeiro, sua atividade de literato acumulava-se com a de jornalista. A respeito dessa obra, lê-se no prefácio: O Rio de Janeiro do meu Tempo foi sua obra mais conhecida. Nela, Luís Edmundo extravasou o seu imenso amor por sua cidade, contando as histórias e falando dos ambientes por ele vividos na virada do século, em sua dupla condição de participante e testemunha." Esse livro compõe o mais rico painel jamais feito sobre o Rio de Janeiro.
Nota del pesquisador: 1770-Joao Moreira primer Capoeira conocido
RIO de Janeiro( 1763 – 1808)
De volta, pelo caminho que vai à Vala, penetremos a Rua dos Ourives, das de maior concorrência da cidade. À porta do estanco de tabaco está um homem diante de um frade nédio e rubicundo. Mostra um capote vasto de mil dobras, onde a sua figura escanifrada mergulha e desaparece, deixando ver apenas, de fora, além de dois canelos finos de ave pernalta, uma vasta, uma hirsuta cabeleira, onde naufraga em ondas tumultuosas alto feltro espanhol. Fala forte. Gargalha. Cheira a aguardente e discute. É o capoeira. Sem ter do negro a compleição atlética ou sequer o ar rijo e sadio do reinol, é, no entanto, um ser que toda gente teme e o próprio quadrilheiro da justiça, por cautela, respeita.
Encarna o espírito da aventura, da malandragem e da fraude; é sereno e arrojado, e na hora da refrega ou da contenda, antes de pensar na choupa ou na navalha, sempre ao manto cosida, vale-se de sua esplêndida destreza, com ela confundindo e vencendo os mais armados e fortes contendores. Nessa hora o homem franzino e leve transfigura-se. Atira longe o seu feltro chamorro, seu manto de saragoça e aos saltos, como um símio, como um gato, corre, recua, avança e rodopia, ágil, astuto, cauto e decidido. Nesse manejo inopinado e célere, a criatura é um ser que não se toca, ou não se pega, um fluido, o imponderável. Pensamento. Relâmpago. Surge e desaparece. Mostra-se de novo e logo se tresmalha. Toda a sua força reside nessa destreza elástica que assombra, e diante da qual o tardo europeu vacila e, atônito, o africano se trastroca. Embora na hora da luta traga ele, entre a dentuça podre, o ferro da hora extrema, é da cabeça, braço, mão, perna ou pé que se vale para abater o êmulo minaz. Com a cabeça em meio aos pulos em que anda, atira a cabezada sobre o ventre daquele com quem luta e o derruba. Com a perna lança a trave, o calço. A mão joga a tapona, e com o pé a rasteira, o pião e ainda o rabo-de-arraia. Tudo isso numa coreografia de gestos que confunde. Luta com dois, com três, e, até com quatro ou cinco. E os vence a todos. Quando os quadrilheiros chegam com as suas lanças e os seus gritos de justiça, sobre o campo da luta nem traço mais se vê do capoeira feroz que se fez nuvem, fumaça e desapareceu. Na hora da paz ama a música, a docuça sensual do brejeiro lundu, dança a fofa, a chocaina, e o sarambeque pelos lugares onde haja vinho, jogo, fumo e mulatas. Freqüenta os pátios das tabernas, os antros da maruja para os lados do Arsenal. Usa e abusa da moral da ralé, moral oblíqua, reclamando pelourinho, degredo, e, às vezes, forca.
http://www.senado.gov.br/web/cegraf/conselho/pdf/O%20Rio%20de%20Janeiro%20do%20Meu%20Tempo/aber_meutempo.pdf

1 comentario:

  1. A antropóloga Letícia Vidor de Sousa Reis (1997) aponta para a utilização da navalha na capoeira praticada no período. Segundo ela, a presença da navalha na capoeira do século XIX deveu-se à convivência dos capoeiras com outros indivíduos marginalizados da época.
    No final do século XIX, no Rio de Janeiro, os capoeiras eram chamados também de navalhistas, pois sua arma mais característica era a navalha que teve seu uso generalizado por influência do ‘fadista’ português. Embora
    se desconheça o motivo de ser a arma preferida pelos capoeiras daquela época é possível que a navalha, no século XIX, tenha se constituído num símbolo étnico negro. Simbolicamente a navalha, quando aberta, toma a forma de duas pernas e, quando fechada, esconde a surpresa do ataque na lâmina guardada, além de exigir
    destreza em seu uso, pois do contrário, corta seu utilizador. Atualmente a navalha faz parte da decoração das paredes das academias de capoeira, onde é pendurada como símbolo da memória heróica de luta dos capoeiras do passado. Apenas em ocasiões solenes, desprovida de corte, é ritualmente utilizada no jogo, sempre por dois capoeiristas experimentados que a prendem entre os dedos
    do pé.
    (Sousa Reis, 1997:82).

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