CAPOEIRA, Da senzala às Olimpíadas?, From Senzala to Olympic Games?
Américo Pellegrini Filho.(1)
O professor Sérgio Luiz de Souza Vieira, da CBC, explica:
A Capoeira já sendo praticada em 48 países, estamos tentando chegar a 75 países, para podermos participar de megacompetições, do gênero de Olimpíadas. Estamos incentivando a criação de Ligas, no Brasil, e já temos 57 dessas entidades regionais; vamos fundar a Federação Mundial de Capoeira e realizaremos um congresso mundial de procedimentos, visando à sua padronização.5 Mas, ele não esconde a ocorrência daquelas atitudes de “rebeldia” por parte de capoeiristas contemporâneos: “Existe certa resistência de vários praticantes da Capoeira, quanto à padronização de procedimentos”6.
E explica que isso faz parte de uma fase de mudanças:
Para muitos, a Capoeira foi o único meio de ascensão social possível. Sabendo-se que essas pessoas tiveram sua ascensão conseguida informalmente, podem sentir-se inseguras; mas temos feito esforço para que esses capoeiristas se reciclem. Também houve oportunidade para que mestres criassem procedimentos, práticas, golpes, de maneira que formaram grandes grupos, alguns até inimigos entre si. Agora, com a Confederação e o objetivo de padronização de procedimentos e técnicas, começa a haver um choque de posições.7
Essas opiniões coincidem com as de mestre Valdenor Silva dos Santos, presidente da Federação Paulista de Capoeira:
Para se obter um reconhecimento internacional, faltam procedimentos básicos padronizados, visando a se dispor de um entendimento global, de uma linguagem universal. Os pontos mais críticos me parecem ser estes: graduações, didática e exploração da modalidade como desporto, com respeito a todos os valores advindos de um trabalho dirigido para a formação bio-psico-social do ser humano.8
Portanto, passou o tempo em que a Capoeira era uma malandragem macunaímica, objetivando derrotar o adversário e até sangrá-lo. Se se quiser que a “ginástica brasileira” alcance realmente a posição de modalidade em uma Olimpíada do século XXI, deverá ser aceita a necessidade urgente de se implantarem normas padronizadas e respeito mútuo. Até para manter características e identidade. De olho nesse futuro próximo, um slogan da Federação Paulista afirma: “Capoeira - a opção do 3º milênio”.
Conscientes da necessidade dessa padronização e de rigor nas normas, dirigentes capoeiristas reuniram-se em São Paulo no 2º Congresso Técnico Nacional de Capoeira, 1999. A pauta do evento revela essa preocupação: Código Brasileiro Disciplinar de Capoeira, conceituação de terminologia, padronização de entidades, revisão de conteúdos para aperfeiçoamento de arbitragem, criação de graduação infantil (5 a 13 anos) e outros itens. Hoje, existem cerca de 5.500 academias (ou entidades com outras denominações) de Capoeira. Além do Brasil, Argentina e Portugal têm suas federações. Com 75 países praticando o jogo atlético, poderá ser criada nova modalidade olímpica feminina; e depois, com 125 países, poderá ser aprovada a modalidade masculina. Alguns dirigentes confiam em que, para Olimpíadas vindouras, possa haver a modalidade Capoeira, já consolidada.
Nessas (desejadas) circunstâncias, haverá nomenclatura padronizada tendo por base a língua portuguesa praticada no Brasil; como ocorre hoje com outras modalidades desportivas, que mantêm sua nomenclatura na língua do país de origem. Exemplos: tatame, yuko, ippon (no judô), soling, star (classes de iatismo), set (no vôlei, no tênis, em bola-ao-cesto ou basquete) etc – termos integrados na crônica esportiva jornalística e em comentários de aficionados. No processo de institucionalização pelo qual passa a Capoeira, se os dirigentes forem felizes com a manutenção de suas características e sua identidade, ao mesmo tempo em que realçarem nela valores positivos aceitos pelas sociedades, é lícito supor que nas próximas décadas poderemos captar uma transmissão de emissora estrangeira, naturalmente em língua estrangeira, sobre acirrada disputa da nova modalidade olímpica, mais ou menos assim: “O japonês Nakamaki aplica um rabo-de-arraia no alemão Steffen Schmidt, que se livra e agora ataca com uma bananeira...!”
Tudo dentro dos padrões da santa paz desportiva das Olimpíadas modernas, sem malandragens antiéticas. Vamos torcer também para que a BBC de Londres possa transmitir: A GOLD MEDAL FOR BRAZIL, IN CAPOEIRA!.
(1) Américo Pellegrini Filho - Possui graduação em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero (1958), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1980), doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1987), Livre-Docente (1992) e Titular (1996), pela mesma Universidade. Atualmente, aposentado, é professor-colaborador em Pós-Graduação na Escola de Comunicações e Artes-Universidade de São Paulo. Sua atuação acadêmica se prende principalmente aos seguintes temas: patrimônio cultural, turismo cultural, patrimônio natural, folclore/cultura popular, comunicação popular escrita.
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REGULAMENTO INTERNACIONAL DE CAPOEIRA: breves considerações
ResponderEliminarO objetivo, aqui, não é discutir as questões jurídicas presentes nesse regulamento, mas, apenas, apontar algumas que marcam a feição dessa prática, que parece interferir, cada vez mais, em sua realização.
Já nas disposições preliminares, o Art. 2o desse regulamento reza que:
A capoeira passa a ser reconhecida internacionalmente como um Desporto de Criação Nacional, criado no Brasil, e, como tal, pertence ao patrimônio cultural do povo brasileiro, legado histórico de sua formação e colonização, fruto do encontro das culturas indígenas, portuguesa e principalmente dos povos africanos, devendo ser protegida e incentivada na forma da Constituição Federal do Brasil.”
No parágrafo 3o desse mesmo Artigo, ela passa a ser reconhecida internacionalmente como: Desporto Cultural; Desporto de Identidade e Desporto Tradicional. Reparem que o termo desporto, agora, antecede a qualquer outra denominação, buscando justificá-la, dessa forma, como uma atividade, a priori, desportiva.
Certamente, como prevê o Art. 5o, o regulamento passa a ser obrigatório para todos os eventos competitivos da modalidade, ficando sob os auspícios da CBC e da Federação Internacional de Capoeira, a FICA. Trata também do uniforme oficial, do sistema de competições, dentre outras questões.
Interessa-nos, aqui, atermo-nos um pouco ao Art. 16, do título III, que trata da Nomenclatura Oficial de Movimentos, dispondo:
Para estabelecer a Nomenclatura Oficial de Movimentos, buscaram-se as raízes desportivas da Capoeira, tomando-se por base histórica os trabalhos deixados por Plácido de Abreu, Raul Pederneiras, Annibal Burlamaqui (Zuma), Coelho Neto, além de Inezil Penna Marinho, tendo como bases atuais, os referenciais obtidos pelos trabalhos de Me. Bimba (Manuel dos Reis Ferreira Pastinha), fundador do primeiro Centro Esportivo de Capoeira, entendendo, entretanto, como única a capoeira, porém considerando distintos os seus padrões de jogo, advindos do emprego dos padrões de ritmos do berimbau, em cada um dos legados que nos foram deixados como herança cultural, resgatando-se as nomenclaturas encontradas nas obras dos mesmos e que doravante serão padronizadas pela CBC no Brasil e pela FICA em âmbito internacional.