Em 1936, uma manchete de
jornal: “Bimba desafia os capoeiristas baianos. (…) Esteve ontem, em nossa redação, o Sr
Manoel dos Reis, mais conhecido nas nossas redes desportivas por mestre Bimba que em
palestra conosco pediu que lançasse-nos em seu nome um desafio aos capoeiristas desta
capital, dentre os quais figuram Samuel Pescador, Eugênio e Henrique Bahia”. (DB,
6/1/1936). Após ser derrotado por Bimba no dia 6/2, Henrique Bahia lutou contra Américo
“Sciência” em no dia 18 a fim de tentar recuperar seu prestígio, sem sucesso. As manchetes
do dia seguinte mostram a polêmica instaurada:
Uma noitada fraca no Stadium Odeon. (…) A luta de capoeira principal
mereceu apupo geral, pela maneira na qual se desenvolveu, dando mais a
impressão de um “baba” que de luta mesmo9
.
O sistema de capoeira apresentado pelos citados lutadores ou foi uma
“tapeação” ou então é muito antiquado como nos disse o juiz da luta, mestre
Bimba10
. Na luta seguinte, em que Mestre Bimba derrotou Zeí (José Custódio dos Santos), a
polêmica continuou. Como na luta anterior, a questão envolvia a própria concepção do que era
(é) a capoeira, e de como ela deveria ser disputada em um ringue. Em uma carta ao jornal, o
esportista Carvalho Rosa protesta:
Como é sabido a capoeira é oriunda da raça angola que com as suas
indumentárias que são os berimbaus, o pandeiro etc., no ritmo como se faz
na dança de salão etc. Ora Sr. Redator, a capoeira é uma espécie de Jiu-Jitsu
atrazado, o seu mister é eliminar o adversário, com os seus golpes ágeis,violentos e rápidos na maior parte fulminantes. Portanto, a decisão não pode
ser a deliberação do marcante que esteja fazendo a arbitragem, para com sua
simpatia resolver prol ou contra seu afeiçoado. Como contar pontos se os
golpes aplicados não surtirem efeitos, aliás otimamente defendidos? Sendo
esta luta de estrangulamento não pode haver contagem de pontos. Só pode se
decidir na maneira seguinte, solta aos olhos11
.
9 Estado da Bahia, 19/2/1936.
10 O Imparcial, 19/2/1936.
11 Diário de Notícias, 11/3/1936.
Fuente...http://jogodemayanga.free.fr/templates/biblio/docs/115.pdf
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Bimba propunha que os conhecimentos de capoeira
ResponderEliminarservissem para uma luta livre, “à vera”, com proibição apenas de “dedo nos olhos, pancada nos órgãos genitais, dentada e puxamento de cabelos”.Isto ficou claro na luta entre Bimba e Vitor H.U., em 22/3/36, quando Vitor desistiu da luta após receber em cheio um galopante (sopapo) no rosto. Movimento estranho às regras
tradicionais da capoeiragem, condenado até hoje em rodas de capoeira angola, o galopante
(assim como o godeme) foi introduzido por mestre Bimba na sua “luta regional baiana”. Nos jornais, defende a capoeira como esporte e defesa pessoal, ancorando-se na metódica elaboração do carioca Annibal Burlamarqui. Este, na elaboração do seu método, descreveu em detalhes os movimentos da capoeira de sua época, bem como propôs uma dinâmica de luta
que consistia em uma série de curtos assaltos, finalizando a luta com um nocaute, à semelhança do boxe inglês.
fuente...http://jogodemayanga.free.fr/templates/biblio/docs/115.pdf
A capoeira de Angola apenas poderá servir para demonstrações ritmadas não para a luta em que a força caracteriza a violência e a agilidade a vitória. Ao som do berimbau e o pandeiro não podem medir forças dois capoeiras que tentam a posse de uma faixa de campeão e isto poderá se constatar em centros mais adiantados onde a capoeira assume aspecto de sensação e cartaz. A polícia regulamentará essas demonstrações de capoeira de acordo com a obra de Annibal Burlamarqui (Zuma) editado em 1928, no Rio de Janeiro13.
ResponderEliminarHá dezoito anos que ensino capoeiragem. Adaptei vários golpes à chamada capoeira de Angola, praticada por meu mestre, o africano Bentinho. (…)Mas a verdadeira capoeira é aquela com que a gente se defende e enfrenta o inimigo. Pois então em qualquer lugar, sou atacado e vou esperar pelo
berimbau para reagi? Nem berimbau nem pandeiro! A coisa tem que virar
mesmo!14
Na continuação desta polêmica, um aluno de Bimba chega a negar a regional como capoeira: “Bimba no desafio que fez, conforme A Tarde publicou citou os golpes de sua luta
Regional baiana, ex-capoeira” 15.Neste momento, um importante personagem vem à tona: ABR. No dia da luta frustrada, ele e Bimba fizeram uma apresentação aclamada pelo público: “Logo depois de terminada a luta acima, e numa prova evidente de seus grandes conhecimentos, Manuel dos Reis Machado (Bimba) e Raimundo Argolo (Aberrê) outro bamba na capoeiragem, fizeram ótima apresentação extra programa, sendo largamente aplaudidos” 16. Aberrê desafiou Bimba em 25/3 e Onça Preta (Cícero Navarro) em 16/5. Raimundo Argolo nasceu em Salvador em 6 de Agosto de 1895, filho de Ângelo Argolo e Maria R. de Argolo. Sabe-se que foi pedreiro na Santa Casa de Misericórdia, mas faltam registros mais detalhados acerca de sua trajetória de vida. A nossa hipótese é que ele foi um dos grandes articuladores da capoeira angola nas décadas de 1930 e 1940, tendo sua trajetória abreviada por uma morte prematura. A tradição oral relaciona Aberrê com o recôncavo baiano, como mostra o depoimento de seu discípulo Caiçara: “meu mestre era santamarense, descendente de africano. 17
13 Diário da Bahia, 13/3/1936.
14 A Tarde, 16/3/1936.
15 A Tarde, 24/3/1936.
16 O Imparcial, 19/2/1936.
17 Depoimento do Mestre Caiçara colhido durante a 1ª Jornada Cultural de Capoeira, em Ouro Preto, 1987.
fuente ..PAULO ANDRADE MAGALHÃES FILHO
JOGO DE DISCURSOS:
A DISPUTA POR HEGEMONIA NA TRADIÇÃO
DA CAPOEIRA ANGOLA BAIANA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais.http://jogodemayanga.free.fr/templates/biblio/docs/115.pdf